O novo conselho de administração da eletrobras

Por Fernanda Guimarães
Fonte: O Estadão
Dono de uma das maiores fortunas nacionais, o bilionário José João Abdalla
Filho – ou Juca Abdalla – é um dos grandes investidores individuais do País.
Aos 77 anos, ele nunca é visto nas rodas da elite carioca. Recluso, de poucos
hobbies, muito discreto e distante dos luxos comuns para quem tem bilhões
de reais, é o nome por trás do Banco Clássico. Abdalla é também o maior
acionista individual brasileiro da “nova” Eletrobras. Sua posição só é inferior
à da gestora 3G Radar – que tem entre seus sócios a 3G Capital, de Jorge
Paulo Lemann.
A participação de Abdalla na Eletrobras já era forte mesmo antes da
privatização da companhia, e continuou significativa apesar de o bilionário
não participar da oferta de ações que fez com que a companhia deixasse de
ser estatal. Com isso, ele viu sua posição na empresa cair de algo em torno
de 5% para 3% - uma fatia que significa mais de R$ 3 bilhões, considerado
o atual valor de mercado da Eletrobras. “Ele achou que não era necessário
um novo investimento”, disse uma fonte próxima ao investidor.
Na assembleia de acionistas da elétrica, marcada para sexta-feira, 5,
Abdalla deve ganhar ainda mais poder dentro da empresa. O indicado de
Abdalla para o conselho é o advogado especializado em direito societário,
Daniel Ferreira, que já é conselheiro. Mas o investidor também uniu forças
com outro bilionário, Lirio Parisotto, e com a gestora Navi Capital, outros
acionistas de peso na companhia, para indicar o advogado Marcelo
Gasparino como outro candidato. Gasparino já representa Abdalla em
outros conselhos, como o da Petrobras (onde o próprio Abdalla também
ocupa uma cadeira).
Será esse novo conselho de administração, formado por indicações dos
principais acionistas pós-privatização, que indicará o retorno de Wilson
Ferreira Jr. para o cargo de presidente executivo da empresa. Ferreira já
anunciou sua saída da Vibra para estar desimpedido de assumir o posto. O
Banco Clássico foi um dos defensores da escolha de seu nome, segundo
uma fonte.
Banco de único dono
Abdalla é o único dono do Banco Clássico, instituição financeira com R$ 2,8
bilhões de patrimônio líquido e ativos de R$ 14,5 bilhões, conforme dados
do Banco Central. O banco também tem um único cliente: o próprio
Abdalla, funcionando como uma holding de seus investimentos.
O advogado de Juca Abdalla, Leonardo Antonelli, afirmou ao Estadão que
o conselho de administração é o foco dos investimentos do bilionário. “O
Sr. Abdalla tem um mantra que ele repete: ‘é o dono no conselho de
administração’. Coerente a esta orientação, ele avalia e indica seus
colaboradores para integrar as mais diversas administrações”, disse
Antonelli, que também representa acionistas minoritários na Eletrobras e
Petrobras, onde já foi conselheiro.
Na sua carteira de investimento, que começou a montar há mais de duas
décadas, aparece uma preferência pelas empresas do setor energético e
estatais, que tradicionalmente são boas pagadoras de dividendos. Engie,
Cemig (na qual também tem cadeira no conselho de administração) e
Kepler Weber são algumas das ações selecionadas. Também investe na
Naturgy, controladora da Companhia Estadual de Gás (CEG), do Rio.
Ele não tem perfil especulativo, uma vez que suas posições nas empresas
são bastante antigas. Antonelli afirma que empresas de capital misto, como
Eletrobras e Petrobras, sofrem os efeitos da instabilidade política, o que
pode trazer possibilidades de entrar em um investimento a um bom preço.
“Isso se torna uma oportunidade de investimento para aqueles que
acreditam no Brasil e nas empresas. O Sr. Abdalla é comprador”, reitera o
advogado.
A sede do Banco Clássico, que abriu as portas em 1989, fica na tradicional
Avenida Presidente Vargas, no centro do Rio de Janeiro. Por coincidência, o
local é bastante próximo à antiga sede da Eletrobras.
No entanto, o primeiro investimento de energia que entrou na carteira de
Juca Abdalla foi da Engie. Fora desse setor, ele investe na mineradora Vale,
demonstrando seu gosto por empresas de porte e de setores tradicionais
da economia.
Vida pessoal
Solteiro, Abdalla mora no Rio de Janeiro, no bairro de Ipanema. Apesar da
fortuna, seu apartamento não é à beira-mar. Quem o conhece diz que é um
homem de poucos hobbies, fora os investimentos. Vive distante dos luxos
tradicionais proporcionados pelo dinheiro. Dirige, por exemplo, um Suzuki
Jimny (jipe que custa hoje a partir de R$ 137 mil), carro que substituiu seu
Up, da Volkswagen. “Ele deu um ‘upgrade’”, brinca um conhecido.
Entre banqueiros e empresários, muitos já ouviram falar do empresário,
mas poucos o viram pessoalmente. Mesmo entre os conselheiros da
Petrobras, que passou a interagir, a leitura é de que ainda é difícil de opinar,
já que só foram três reuniões do grupo desde sua eleição.
Por isso, ele é considerado quase como uma figura folclórica no mercado.
Nas empresas em que investe, geralmente os executivos lidavam com um
diretor do Banco Clássico, José Pais Rangel, ex-funcionário do Banco
Central. Rangel, porém, faleceu recentemente em decorrência da covid-19.
Origem da fortuna
Juca Abdalla é apontado como o detentor da 15.ª maior fortuna do País,
estimada em R$ 13 bilhões, à frente de nomes conhecidos como Abílio Diniz
e Rubens Ometto. Na lista global da revista, ele está na 1.096.ª posição.
Sua fortuna teve origem com a herança vinda do pai, JJ (de João José)
Abdalla, industrial de descendência árabe, morto em 1988. JJ atuava em
segmentos como metalurgia e cana-de-açúcar e colecionou ações
trabalhistas na Justiça. Além de atuar na indústria, também abriu seu
próprio banco, batizado de Banco Interestadual, e foi sócio do Comind.
Também atuou na política, sendo prefeito de Birigui (SP), além de vereador
e deputado.
A herança deixada pelo pai, porém, deu um salto nas mãos de Juca. Nos
anos 1990, recebeu uma indenização bilionária – de cerca de R$ 2,5 bilhões
– pela desapropriação de um terreno em São Paulo, onde hoje está o
Parque Villa-Lobos, na zona oeste da cidade.